segunda-feira, 19 de maio de 2014

Bullying: Existe lei para esta prática?

BULLYING NO AMBIENTE ESCOLAR: EXISTE LEI PARA PUNIR ESTA PRÁTICA?


O bullying é um problema mundial, podendo ocorrer em praticamente qualquer contexto no qual as pessoas interajam, tais como escola, faculdade/universidade, família, mas pode ocorrer também no local de trabalho e entre vizinhos.
Violência nas escolas, assédio moral, incivilidades ou bullying são termos similares que expressam a existência dos atos corriqueiros de agredir, ofender ou maltratar, ataques físicos, apelidos pejorativos criados para humilhar os colegas.
As pessoas que testemunham o bullying, na grande maioria, alunos, convivem com a violência e se silenciam em razão de temerem se tornar as “próximas vítimas” do agressor. No espaço escolar, quando não ocorre uma efetiva intervenção contra este sério problema, o ambiente fica contaminado e os alunos, sem exceção, são afetados negativamente, experimentando sentimentos de medo e ansiedade.
As crianças ou adolescentes que sofrem bullying podem se tornar adultos com sentimentos negativos e baixa autoestima. Tendem a adquirir sérios problemas de relacionamento, podendo, inclusive, contrair comportamento agressivo. Em casos extremos, a vítima poderá tentar ou cometer suicídio.
Os autores ou o autor, das agressões geralmente são pessoas que têm pouca empatia, pertencentes à famílias desestruturadas, em que o relacionamento afetivo entre seus membros tende a ser escasso ou precário. Por outro lado, o alvo dos agressores geralmente são pessoas pouco sociáveis, com baixa capacidade de reação ou de fazer cessar os atos prejudiciais contra si e possuem forte sentimento de insegurança, o que os impede de solicitar ajuda.
As escolas brasileiras recebem milhares e milhares de alunos, vítimas e praticantes de diversos atos infracionais, atos de indisciplina e em situação de risco e não podem, por força da lei estatutária, deixar de promover o amparo e a proteção de todos. Porém, para um discussão mais ampla e a possibilidade de melhora no ensino contra a violência do bullying, requer pelo menos o domínio dos aspectos essenciais da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente e dos principais paradigmas da moderna educação, além do real envolvimento dos pais, alunos, professores e direção, naquilo que denomina-se de democracia participativa nas escolas.
No Brasil não existe ainda nenhuma Lei Federal específica sobre a violência nas escolas, por isso se faz de grande importância um regimento interno adequado à Constituição Federal e ao ECA, contendo pontos cruciais, naquilo que é pertinente ao sistema punitivo interno por conta das indisciplinas. Contemplando prazos, formas e a atuação de todos, conhecido pelos juristas como devido processo legal. Uma exaustiva discriminação de todas as graves condutas proibidas. Paralelamente, como segunda medida, por conta do princípio da municipalização do sistema de proteção integral, os poderes públicos deverão ser sensibilizados para criarem os programas e políticas públicas municipais, imprescindíveis para apoiar as escolas, sempre que os alunos forem vítimas de bullying, previstos no art. 90, I e II do ECA: o programa de orientação e apoio sócio familiar (I) e o de apoio socioeducativo em meio aberto(II). Através do segundo programa, cada escola deve possuir, no mínimo, um advogado, um pedagogo, um psicólogo e um assistente social para – em equipe - discutir as medidas técnicas para solução dos casos de violência nas escolas.
As diferenças são visíveis. Indisciplina deve ser discutida e combatida pela própria escola, com específica previsão no regimento interno. Situação de risco, definidas no art. 98 do ECA, devem ser objeto de intervenção do Conselho Tutelar. Em consequência da fragilidade ou inexistência do controle dos atos graves de indisciplina ou da insuficiente proteção municipal das vítimas caminha-se a passos largos para a prática dos atos infracionais nas escolas, definidos pelo art. 103 do ECA. Da mesma forma que os sistemas e mecanismos anteriores, deverá ser aperfeiçoado o sistema punitivo externo ao ambiente escolar.
Os adolescentes que praticam atos infracionais graves nas escolas, seja nas salas de aula, nos pátios ou nas demais atividades, como uma das medidas mais drásticas, porém legais, devem ser apreendidos pela Polícia Militar, indiciados pela Polícia Civil, representados pelo Ministério Público e punidos pelo Poder Judiciário.
É fundamental que, além da punição pela prática de atos infracionais de responsabilidade do Estado-membro nos casos de internação e semiliberdade, os Municípios implantem todas as entidades e programas obrigatórios para o cumprimento das medidas socioeducativas em meio aberto. Assim, o ataque frontal e consistente à violência escolar requer sensível e substancial melhoria na qualidade da educação; adequação do Regimento Interno aos fundamentos da CF e do ECA; criação dos programas municipais previstos no art. 90 do ECA e a punição dos adolescentes que praticarem atos infracionais nas escolas e o efetivo cumprimento das decisões judiciais. Segundo o artigo 5° do ECA, “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”. Por fim, pode-se dizer que educação de qualidade e a aplicação do ECA nas escolas constituem interessantes parâmetros que devem ser prestigiados pelas escolas e por toda a sociedade.

     
Marcela Viviany Fujihara - Pedagoga

Bullying e Sociedade

 Bullying: sintoma da sociedade moderna 

Antes de falar em bullying, penso ser necessário revisar nossa trajetória educacional. Caminhos tortuosos, desacreditados por uma sociedade que se sustenta na aparência, movendo-se por uma economia capaz de ofuscar a luz do bom senso e da sensatez. Não estou imune aos ditames da ferocidade dessa configuração. Vivo nela, respiro o desrespeito dos representantes da sociedade, ainda que a contragosto. Em todos os setores impera a desconfiança, o mau exemplo se espalha por todo lado, o individualismo avassalador, a corrupção, descaso generalizado, vergonha desavergonhada. Nesse cenário, os processos educacionais parecem fantasmas, e nem mesmo assombram. Estamos carentes de pessoas ocupadas com a arte de educar, falo da educação que é capaz de romper com a manipulação desenfreada, fazendo abandonar a ignorância vil que cega o indivíduo.
Permanecemos desprovidos de mudanças significativas e necessárias, somos reféns de professores desacreditados na mudança, de projetos ineficazes, de falsas preocupações que sobrevoam o grande problema da sociedade, mas não provocam as mudanças desejadas.
Não sou propenso a queixas e reclamações, mas, se o tom das minhas palavras iniciais é desabafo trata-se de uma verdade. Nossa sociedade está doente e continuamos a buscar diagnósticos por todos os lados. Encontra-se abandonada ao descaso das autoridades, de pais pouco preocupados com a formação de valores, que dão péssimos exemplos aos seus filhos, de sistemas educacionais que fazem do lucro seu objetivo maior. Enfim, não adianta mascarar a realidade, pois ela sofre, está doente. Há pessoas bem intencionadas? Sim. Como também existem escolas que já encontraram o caminho para as mudanças, mas a grande maioria passa longe desse encontro. A palavra capacitação virou uma espécie de mantra dentro do sistema educacional, porém acredito ser nosso problema bem mais simples de resolver. Nossa sociedade abrandou as regras de convivência, deixou de lado a preocupação com a formação humana, banalizou valores e, nessa triste realidade, o ter passou a ser mais importante do que o ser. Vivemos num estado hipnótico no que diz respeito a valores e virtudes. A ética, enquanto uma tentativa de regulamentar a maneira como conduzimos nossas vidas, pouco efeito surte nas pessoas. Cada um se sente dono de sua própria verdade, como se fosse possível viver sozinho.
Já faz um bom tempo que insisto numa educação para cidadania. Embora as pessoas acreditem estar a escola formando cidadãos, eu penso o contrário. Ela faz pouco, muito pouco. Nossa constituição, nossas leis de diretrizes e bases da educação, os Parâmetros Curriculares Nacionais, todos os documentos que regem a educação no Brasil dizem ser tarefa da escola formar cidadãos. Como diria meu saudoso amigo Bartolomeu Campos Queirós "o papel aceita tudo". Na prática essa realidade não se confirma. Em meio à crise moral em que vivemos, deixamos, ou melhor, abrimos mão do grande trunfo para mudança: a escola. Embora os PCN's digam que as disciplinas devem funcionar como ferramentas para se atingir a cidadania, isso está longe de acontecer, pois depende de um entendimento novo sobre a sala de aula, um olhar novo para a função da escola. Ser cidadão é conviver numa sociedade regida por regras, deveres, direitos. Esse pacto social está elencado na nossa constituição. Ser cidadão é ter conhecimento das regras do jogo social. Já estive em auditórios com 900 professores que ao perguntar quem já havia lido a constituição, ou trechos dela, apenas 12 pessoas levantaram a mão. Ser cidadão é saber que no artigo 5º inciso V da Constituição Federal está escrito que é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem, ou ainda que no mesmo artigo inciso X diz ser invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Quando escrevi Bullying: Tô fora coloquei partes da Constituição e da Declaração dos Direitos Humanos. Assim fiz, porque entendo que só formamos cidadãos quando proporcionamos ao sujeito o conhecimento necessário para conviver em sociedade. A escola precisa abrir os olhos, e não só ela, toda a sociedade. Não podemos prescindir de requisitos tais como a formação de valores, das virtudes, das leis, se a proposta é educar para cidadania.
O humano precisa transcender, já que vive em busca de significados, de um sentido para a própria existência. Nessa busca, a liberdade se torna quase uma obsessão, isto é, ir além de si mesmo é quase uma ordem. A questão se complica quando a busca dessa liberdade rompe com certos acordos, pactos, estabelecidos por alguns, para o bem-estar de todos. Se abster de restrições internas e externas pode até trazer uma sensação de autodomínio, de autocontrole e liberdade, no entanto coloca em risco a harmonia da sociedade. A crise de valores, o excesso de drogas, o bullying não deixam de ser formas ambíguas de buscar uma "certa liberdade". É, de certa maneira, um não ao pacto.
Sempre me lembro de John Dewey ao dizer que nossas falhas morais têm origem em alguma fraqueza de disposição, em alguma ausência de humanidade, em alguma inclinação unilateral que nos faz chegar ao juízo ou à decisão quanto ao fato concreto de modo negligente ou malevolente. Vejo o bullying como uma fraqueza de disposição, ausência de bons exemplos, reflexo de uma educação deficiente, tanto em casa como na escola. O termo pode até mesmo ser novo, mas o fato em si é tão antigo quanto a humanidade. Sempre existiram pessoas ruins, pessoas negligentes, que não tiveram a chance de aprender o que é respeito, justiça, amor ao próximo e outros sentimentos nobres da alma humana. Bullying é uma postura descuidada com o outro, um relaxamento da boa conduta. Costumo dizer que vivemos a síndrome da desobediência, basta dizer "faça isso" e as pessoas fazem o contrário. Se a placa diz para não usar telefone celular, há sempre alguém que faz vista grossa; burlar as regras virou algo corriqueiro. Não sou moralista e nem acho que o caminho para uma vida em sociedade passe por um moralismo desenfreado, mas se queremos viver juntos, compartilhar os mesmos espaços, ter uma vida saudável, é preciso afinar nossas condutas de maneira tal que todos saiam ganhando. E já temos documentos para orientar nossas ações, mas são desconhecidos pela grande maioria dos brasileiros.
Lembro-me bem de quando aceitei o convite de uma escola para trabalhar formação humana com alunos do Ensino Médio. Apresentei minha proposta que trazia, dentre os conteúdos, os Códigos de Defesa do Consumidor, o Estatuto do Idoso, trechos da Constituição e outros. Alguns professores acharam aquilo um disparate, para minha surpresa, alguns deles não conseguem ver a escola como formadora de cidadãos, ainda que o façam apenas no discurso, na prática é diferente. O resultado foi ótimo, os alunos se dividiram em grupos e cada um ficou responsável por passar para toda a escola.
Penso no bullying como um sintoma da nossa sociedade. Por trás de uma história de bullying tem sempre um sujeito vitimado, às vezes, nem teve na vida alguém que lhe barrasse, que lhe "emprestasse o ouvido", lhe apontasse o caminho correto para viver bem com o outro. É fácil acusar, apontar o dedo, mas a questão é reconhecer as histórias por trás desses episódios de bullying. A verdade é que adolescentes e crianças apenas repetem o que veem. Atitudes de bullying são de certa forma uma extensão da sociedade, humilhações, intimidações, agressões são atitudes presentes no cenário nacional. A todo momento essa triste realidade se manifesta. Banalizamos a violência, o descaso com o idoso, a miséria, e assim ficamos reféns do nosso próprio desleixo.
Sempre penso nas virtudes como a grande saída para essa crise de valores em que vivemos. A palavra virtude vem de virtus e significa excelência; se queremos a excelência, o caminho passa por ela. E vale dizer que não nascemos com nenhuma virtude; aprende-se. Pais e educadores devem se incumbir dessa transmissão à família, e a escola precisa colocar a formação das virtudes como sua prioridade. Aquele que faz bullying está carente e, quem tem tolerância, prudência, respeito, não comete bullying.
Podemos e devemos acreditar numa mudança capaz de trazer de volta a paz entre os homens. O bullying que assombra nossas escolas precisa ser encarado de frente. No entanto, é preciso deixar a hipocrisia de lado e reconhecer que essa mudança deve começar dentro de cada um de nós. Não vamos avançar nesse processo se exemplos continuarem carregados de falta de ética, se valores continuarem deturpados, se não nos conscientizarmos de que viver em sociedade é comungar da sabedoria que reconhece o outro em sua dignidade. É preciso trocar o eu pelo nós. Uma renúncia necessária para fazer imperar a paz entre os homens.
Teuler Reis é autor de Bullying... Tô fora e Educação e Cidadania: A Batalha de uma Educação Comprometida, ambos publicados pela Editora WAK.