Bullying: sintoma
da sociedade moderna
Antes de falar em
bullying, penso ser necessário revisar nossa trajetória educacional. Caminhos
tortuosos, desacreditados por uma sociedade que se sustenta na aparência,
movendo-se por uma economia capaz de ofuscar a luz do bom senso e da sensatez.
Não estou imune aos ditames da ferocidade dessa configuração. Vivo nela,
respiro o desrespeito dos representantes da sociedade, ainda que a contragosto.
Em todos os setores impera a desconfiança, o mau exemplo se espalha por todo
lado, o individualismo avassalador, a corrupção, descaso generalizado, vergonha
desavergonhada. Nesse cenário, os processos educacionais parecem fantasmas, e
nem mesmo assombram. Estamos carentes de pessoas ocupadas com a arte de educar,
falo da educação que é capaz de romper com a manipulação desenfreada, fazendo
abandonar a ignorância vil que cega o indivíduo.
Permanecemos
desprovidos de mudanças significativas e necessárias, somos reféns de
professores desacreditados na mudança, de projetos ineficazes, de falsas
preocupações que sobrevoam o grande problema da sociedade, mas não provocam as
mudanças desejadas.
Não sou propenso a
queixas e reclamações, mas, se o tom das minhas palavras iniciais é desabafo
trata-se de uma verdade. Nossa sociedade está doente e continuamos a buscar
diagnósticos por todos os lados. Encontra-se abandonada ao descaso das
autoridades, de pais pouco preocupados com a formação de valores, que dão
péssimos exemplos aos seus filhos, de sistemas educacionais que fazem do lucro
seu objetivo maior. Enfim, não adianta mascarar a realidade, pois ela sofre,
está doente. Há pessoas bem intencionadas? Sim. Como também existem escolas que
já encontraram o caminho para as mudanças, mas a grande maioria passa longe
desse encontro. A palavra capacitação virou uma espécie de mantra dentro do
sistema educacional, porém acredito ser nosso problema bem mais simples de
resolver. Nossa sociedade abrandou as regras de convivência, deixou de lado a
preocupação com a formação humana, banalizou valores e, nessa triste realidade,
o ter passou a ser mais importante do que o ser. Vivemos num estado hipnótico
no que diz respeito a valores e virtudes. A ética, enquanto uma tentativa de
regulamentar a maneira como conduzimos nossas vidas, pouco efeito surte nas
pessoas. Cada um se sente dono de sua própria verdade, como se fosse possível
viver sozinho.
Já faz um bom tempo
que insisto numa educação para cidadania. Embora as pessoas acreditem estar a
escola formando cidadãos, eu penso o contrário. Ela faz pouco, muito pouco.
Nossa constituição, nossas leis de diretrizes e bases da educação, os
Parâmetros Curriculares Nacionais, todos os documentos que regem a educação no
Brasil dizem ser tarefa da escola formar cidadãos. Como diria meu saudoso amigo
Bartolomeu Campos Queirós "o papel aceita tudo". Na prática essa
realidade não se confirma. Em meio à crise moral em que vivemos, deixamos, ou
melhor, abrimos mão do grande trunfo para mudança: a escola. Embora os PCN's
digam que as disciplinas devem funcionar como ferramentas para se atingir a
cidadania, isso está longe de acontecer, pois depende de um entendimento novo
sobre a sala de aula, um olhar novo para a função da escola. Ser cidadão é
conviver numa sociedade regida por regras, deveres, direitos. Esse pacto social
está elencado na nossa constituição. Ser cidadão é ter conhecimento das regras
do jogo social. Já estive em auditórios com 900 professores que ao perguntar
quem já havia lido a constituição, ou trechos dela, apenas 12 pessoas
levantaram a mão. Ser cidadão é saber que no artigo 5º inciso V da Constituição
Federal está escrito que é assegurado o direito de resposta, proporcional ao
agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem, ou ainda que
no mesmo artigo inciso X diz ser invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação. Quando escrevi Bullying: Tô fora
coloquei partes da Constituição e da Declaração dos Direitos Humanos. Assim
fiz, porque entendo que só formamos cidadãos quando proporcionamos ao sujeito o
conhecimento necessário para conviver em sociedade. A escola precisa abrir os
olhos, e não só ela, toda a sociedade. Não podemos prescindir de requisitos
tais como a formação de valores, das virtudes, das leis, se a proposta é educar
para cidadania.
O humano precisa
transcender, já que vive em busca de significados, de um sentido para a própria
existência. Nessa busca, a liberdade se torna quase uma obsessão, isto é, ir
além de si mesmo é quase uma ordem. A questão se complica quando a busca dessa
liberdade rompe com certos acordos, pactos, estabelecidos por alguns, para o
bem-estar de todos. Se abster de restrições internas e externas pode até trazer
uma sensação de autodomínio, de autocontrole e liberdade, no entanto coloca em
risco a harmonia da sociedade. A crise de valores, o excesso de drogas, o
bullying não deixam de ser formas ambíguas de buscar uma "certa
liberdade". É, de certa maneira, um não ao pacto.
Sempre me lembro de
John Dewey ao dizer que nossas falhas morais têm origem em alguma fraqueza de
disposição, em alguma ausência de humanidade, em alguma inclinação unilateral
que nos faz chegar ao juízo ou à decisão quanto ao fato concreto de modo
negligente ou malevolente. Vejo o bullying como uma fraqueza de disposição,
ausência de bons exemplos, reflexo de uma educação deficiente, tanto em casa
como na escola. O termo pode até mesmo ser novo, mas o fato em si é tão antigo
quanto a humanidade. Sempre existiram pessoas ruins, pessoas negligentes, que
não tiveram a chance de aprender o que é respeito, justiça, amor ao próximo e
outros sentimentos nobres da alma humana. Bullying é uma postura descuidada com
o outro, um relaxamento da boa conduta. Costumo dizer que vivemos a síndrome da
desobediência, basta dizer "faça isso" e as pessoas fazem o
contrário. Se a placa diz para não usar telefone celular, há sempre alguém que
faz vista grossa; burlar as regras virou algo corriqueiro. Não sou moralista e
nem acho que o caminho para uma vida em sociedade passe por um moralismo
desenfreado, mas se queremos viver juntos, compartilhar os mesmos espaços, ter
uma vida saudável, é preciso afinar nossas condutas de maneira tal que todos
saiam ganhando. E já temos documentos para orientar nossas ações, mas são
desconhecidos pela grande maioria dos brasileiros.
Lembro-me bem de
quando aceitei o convite de uma escola para trabalhar formação humana com
alunos do Ensino Médio. Apresentei minha proposta que trazia, dentre os
conteúdos, os Códigos de Defesa do Consumidor, o Estatuto do Idoso, trechos da
Constituição e outros. Alguns professores acharam aquilo um disparate, para
minha surpresa, alguns deles não conseguem ver a escola como formadora de
cidadãos, ainda que o façam apenas no discurso, na prática é diferente. O
resultado foi ótimo, os alunos se dividiram em grupos e cada um ficou
responsável por passar para toda a escola.
Penso no bullying
como um sintoma da nossa sociedade. Por trás de uma história de bullying tem
sempre um sujeito vitimado, às vezes, nem teve na vida alguém que lhe barrasse,
que lhe "emprestasse o ouvido", lhe apontasse o caminho correto para
viver bem com o outro. É fácil acusar, apontar o dedo, mas a questão é
reconhecer as histórias por trás desses episódios de bullying. A verdade é que
adolescentes e crianças apenas repetem o que veem. Atitudes de bullying são de
certa forma uma extensão da sociedade, humilhações, intimidações, agressões são
atitudes presentes no cenário nacional. A todo momento essa triste realidade se
manifesta. Banalizamos a violência, o descaso com o idoso, a miséria, e assim
ficamos reféns do nosso próprio desleixo.
Sempre penso nas
virtudes como a grande saída para essa crise de valores em que vivemos. A
palavra virtude vem de virtus e significa excelência; se queremos a excelência,
o caminho passa por ela. E vale dizer que não nascemos com nenhuma virtude;
aprende-se. Pais e educadores devem se incumbir dessa transmissão à família, e
a escola precisa colocar a formação das virtudes como sua prioridade. Aquele
que faz bullying está carente e, quem tem tolerância, prudência, respeito, não
comete bullying.
Podemos e devemos
acreditar numa mudança capaz de trazer de volta a paz entre os homens. O
bullying que assombra nossas escolas precisa ser encarado de frente. No
entanto, é preciso deixar a hipocrisia de lado e reconhecer que essa mudança
deve começar dentro de cada um de nós. Não vamos avançar nesse processo se
exemplos continuarem carregados de falta de ética, se valores continuarem
deturpados, se não nos conscientizarmos de que viver em sociedade é comungar da
sabedoria que reconhece o outro em sua dignidade. É preciso trocar o eu pelo
nós. Uma renúncia necessária para fazer imperar a paz entre os homens.
Teuler Reis é
autor de Bullying... Tô fora e Educação e Cidadania: A Batalha de uma Educação
Comprometida, ambos publicados pela Editora WAK.
Bullying: sintoma da sociedade moderna
Antes de falar em
bullying, penso ser necessário revisar nossa trajetória educacional. Caminhos
tortuosos, desacreditados por uma sociedade que se sustenta na aparência,
movendo-se por uma economia capaz de ofuscar a luz do bom senso e da sensatez.
Não estou imune aos ditames da ferocidade dessa configuração. Vivo nela,
respiro o desrespeito dos representantes da sociedade, ainda que a contragosto.
Em todos os setores impera a desconfiança, o mau exemplo se espalha por todo
lado, o individualismo avassalador, a corrupção, descaso generalizado, vergonha
desavergonhada. Nesse cenário, os processos educacionais parecem fantasmas, e
nem mesmo assombram. Estamos carentes de pessoas ocupadas com a arte de educar,
falo da educação que é capaz de romper com a manipulação desenfreada, fazendo
abandonar a ignorância vil que cega o indivíduo.
Permanecemos
desprovidos de mudanças significativas e necessárias, somos reféns de
professores desacreditados na mudança, de projetos ineficazes, de falsas
preocupações que sobrevoam o grande problema da sociedade, mas não provocam as
mudanças desejadas.
Não sou propenso a
queixas e reclamações, mas, se o tom das minhas palavras iniciais é desabafo
trata-se de uma verdade. Nossa sociedade está doente e continuamos a buscar
diagnósticos por todos os lados. Encontra-se abandonada ao descaso das
autoridades, de pais pouco preocupados com a formação de valores, que dão
péssimos exemplos aos seus filhos, de sistemas educacionais que fazem do lucro
seu objetivo maior. Enfim, não adianta mascarar a realidade, pois ela sofre,
está doente. Há pessoas bem intencionadas? Sim. Como também existem escolas que
já encontraram o caminho para as mudanças, mas a grande maioria passa longe
desse encontro. A palavra capacitação virou uma espécie de mantra dentro do
sistema educacional, porém acredito ser nosso problema bem mais simples de
resolver. Nossa sociedade abrandou as regras de convivência, deixou de lado a
preocupação com a formação humana, banalizou valores e, nessa triste realidade,
o ter passou a ser mais importante do que o ser. Vivemos num estado hipnótico
no que diz respeito a valores e virtudes. A ética, enquanto uma tentativa de
regulamentar a maneira como conduzimos nossas vidas, pouco efeito surte nas
pessoas. Cada um se sente dono de sua própria verdade, como se fosse possível
viver sozinho.
Já faz um bom tempo
que insisto numa educação para cidadania. Embora as pessoas acreditem estar a
escola formando cidadãos, eu penso o contrário. Ela faz pouco, muito pouco.
Nossa constituição, nossas leis de diretrizes e bases da educação, os
Parâmetros Curriculares Nacionais, todos os documentos que regem a educação no
Brasil dizem ser tarefa da escola formar cidadãos. Como diria meu saudoso amigo
Bartolomeu Campos Queirós "o papel aceita tudo". Na prática essa
realidade não se confirma. Em meio à crise moral em que vivemos, deixamos, ou
melhor, abrimos mão do grande trunfo para mudança: a escola. Embora os PCN's
digam que as disciplinas devem funcionar como ferramentas para se atingir a
cidadania, isso está longe de acontecer, pois depende de um entendimento novo
sobre a sala de aula, um olhar novo para a função da escola. Ser cidadão é
conviver numa sociedade regida por regras, deveres, direitos. Esse pacto social
está elencado na nossa constituição. Ser cidadão é ter conhecimento das regras
do jogo social. Já estive em auditórios com 900 professores que ao perguntar
quem já havia lido a constituição, ou trechos dela, apenas 12 pessoas
levantaram a mão. Ser cidadão é saber que no artigo 5º inciso V da Constituição
Federal está escrito que é assegurado o direito de resposta, proporcional ao
agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem, ou ainda que
no mesmo artigo inciso X diz ser invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação. Quando escrevi Bullying: Tô fora
coloquei partes da Constituição e da Declaração dos Direitos Humanos. Assim
fiz, porque entendo que só formamos cidadãos quando proporcionamos ao sujeito o
conhecimento necessário para conviver em sociedade. A escola precisa abrir os
olhos, e não só ela, toda a sociedade. Não podemos prescindir de requisitos
tais como a formação de valores, das virtudes, das leis, se a proposta é educar
para cidadania.
O humano precisa
transcender, já que vive em busca de significados, de um sentido para a própria
existência. Nessa busca, a liberdade se torna quase uma obsessão, isto é, ir
além de si mesmo é quase uma ordem. A questão se complica quando a busca dessa
liberdade rompe com certos acordos, pactos, estabelecidos por alguns, para o
bem-estar de todos. Se abster de restrições internas e externas pode até trazer
uma sensação de autodomínio, de autocontrole e liberdade, no entanto coloca em
risco a harmonia da sociedade. A crise de valores, o excesso de drogas, o
bullying não deixam de ser formas ambíguas de buscar uma "certa
liberdade". É, de certa maneira, um não ao pacto.
Sempre me lembro de
John Dewey ao dizer que nossas falhas morais têm origem em alguma fraqueza de
disposição, em alguma ausência de humanidade, em alguma inclinação unilateral
que nos faz chegar ao juízo ou à decisão quanto ao fato concreto de modo
negligente ou malevolente. Vejo o bullying como uma fraqueza de disposição,
ausência de bons exemplos, reflexo de uma educação deficiente, tanto em casa
como na escola. O termo pode até mesmo ser novo, mas o fato em si é tão antigo
quanto a humanidade. Sempre existiram pessoas ruins, pessoas negligentes, que
não tiveram a chance de aprender o que é respeito, justiça, amor ao próximo e
outros sentimentos nobres da alma humana. Bullying é uma postura descuidada com
o outro, um relaxamento da boa conduta. Costumo dizer que vivemos a síndrome da
desobediência, basta dizer "faça isso" e as pessoas fazem o
contrário. Se a placa diz para não usar telefone celular, há sempre alguém que
faz vista grossa; burlar as regras virou algo corriqueiro. Não sou moralista e
nem acho que o caminho para uma vida em sociedade passe por um moralismo
desenfreado, mas se queremos viver juntos, compartilhar os mesmos espaços, ter
uma vida saudável, é preciso afinar nossas condutas de maneira tal que todos
saiam ganhando. E já temos documentos para orientar nossas ações, mas são
desconhecidos pela grande maioria dos brasileiros.
Lembro-me bem de
quando aceitei o convite de uma escola para trabalhar formação humana com
alunos do Ensino Médio. Apresentei minha proposta que trazia, dentre os
conteúdos, os Códigos de Defesa do Consumidor, o Estatuto do Idoso, trechos da
Constituição e outros. Alguns professores acharam aquilo um disparate, para
minha surpresa, alguns deles não conseguem ver a escola como formadora de
cidadãos, ainda que o façam apenas no discurso, na prática é diferente. O
resultado foi ótimo, os alunos se dividiram em grupos e cada um ficou
responsável por passar para toda a escola.
Penso no bullying
como um sintoma da nossa sociedade. Por trás de uma história de bullying tem
sempre um sujeito vitimado, às vezes, nem teve na vida alguém que lhe barrasse,
que lhe "emprestasse o ouvido", lhe apontasse o caminho correto para
viver bem com o outro. É fácil acusar, apontar o dedo, mas a questão é
reconhecer as histórias por trás desses episódios de bullying. A verdade é que
adolescentes e crianças apenas repetem o que veem. Atitudes de bullying são de
certa forma uma extensão da sociedade, humilhações, intimidações, agressões são
atitudes presentes no cenário nacional. A todo momento essa triste realidade se
manifesta. Banalizamos a violência, o descaso com o idoso, a miséria, e assim
ficamos reféns do nosso próprio desleixo.
Sempre penso nas
virtudes como a grande saída para essa crise de valores em que vivemos. A
palavra virtude vem de virtus e significa excelência; se queremos a excelência,
o caminho passa por ela. E vale dizer que não nascemos com nenhuma virtude;
aprende-se. Pais e educadores devem se incumbir dessa transmissão à família, e
a escola precisa colocar a formação das virtudes como sua prioridade. Aquele
que faz bullying está carente e, quem tem tolerância, prudência, respeito, não
comete bullying.
Podemos e devemos
acreditar numa mudança capaz de trazer de volta a paz entre os homens. O
bullying que assombra nossas escolas precisa ser encarado de frente. No
entanto, é preciso deixar a hipocrisia de lado e reconhecer que essa mudança
deve começar dentro de cada um de nós. Não vamos avançar nesse processo se
exemplos continuarem carregados de falta de ética, se valores continuarem
deturpados, se não nos conscientizarmos de que viver em sociedade é comungar da
sabedoria que reconhece o outro em sua dignidade. É preciso trocar o eu pelo
nós. Uma renúncia necessária para fazer imperar a paz entre os homens.
Teuler Reis é
autor de Bullying... Tô fora e Educação e Cidadania: A Batalha de uma Educação
Comprometida, ambos publicados pela Editora WAK.
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